DIREITO CIVIL. SOBRE-ESTADIA (DEMURRAGE) NO CASO DE APREENSÃO DE CONTÊINER PELA ALFÂNDEGA.

Mesmo que o valor devido a título de pagamento de sobre-estadias (demurrages) seja muito maior do que o preço médio de venda de um contêiner idêntico ao locado, não é será possível limitar esse valor se o seu patamar elevado apenas foi atingido em razão da desídia do locatário do bem, o qual, diante da apreensão alfandegária do contêiner e das mercadorias contidas neste, quedou-se inerte. Consoante se extrai do art. 2.035 do CC, a intangibilidade do contrato compreende integralmente os planos de sua existência e validade, mas, apenas parcialmente, o plano de sua eficácia, podendo sua força obrigatória vir a ser mitigada. E essa mitigação terá lugar quando a obrigação assumida, diante das circunstâncias postas, mostrar-se inaceitável do ponto de vista da razoabilidade e da equidade, comprometendo a função social do contrato e a boa-fé objetiva, valores expressamente tutelados pela lei civil e pela própria CF. A situação presente, contudo, não configura hipótese justificadora da relativização do princípio do pacta sunt servanda. Ora, é certo que o container não se confunde com a mercadoria transportada nem constitui embalagem dela, mas sim é uma parte ou acessório do veículo transportador, de modo que inexiste amparo jurídico para sua apreensão juntamente com a mercadoria (REsp 678.100-SP, Terceira Turma, DJ 5/9/2005; REsp 526.767-PR, Primeira Turma, DJ 19/9/2005; REsp 908.890-SP, Segunda Turma, DJ 23/4/2007). Além disso, os embaraços aduaneiros sequer podem ser caracterizados como fortuito, à vista de sua previsibilidade. Assim, não reflete a boa-fé, que deve pautar as relações contratuais, a conduta do locatário de container que, além de deter a responsabilidade pelo desembaraço de mercadoria, também poderia ter diligenciado por obter a liberação do contêiner perante as autoridades alfandegárias, para que, dessa maneira, pudesse cumprir sua obrigação de restituí-lo ao locador. Nesse sentido, a Primeira Turma do STJ já se manifestou no sentido de que: “Por força do art. 1.210, § 2º, do Código Civil, o locatário de contêiner, por ser detentor da posse direta, tem legitimidade ativa ad causam para discutir sua liberação, quando apreendido, juntamente com as mercadorias nele contidas, pela administração pública” (REsp 1.295.900-PR, DJe 19/4/2013). Salienta-se, ainda, que a eventual circunstância de o valor da indenização pelo descumprimento contratual poder atingir montante expressivo em razão, unicamente, da desídia da parte locatária não justifica sua redução pelo Poder Judiciário, sob pena de se premiar a conduta faltosa de devedor. De fato, não há falar na incidência do art. 412 do CC, uma vez que as demurrages têm natureza jurídica de indenização, e não de cláusula penal. Entende-se, perante esse contexto, que deve ser aplicado, analogicamente, o entendimento do STJ de que: “A análise sobre o excesso da multa deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor. Não se pode analisá-la na perspectiva de quem, olhando para fatos já consolidados no tempo, depois de cumprida a obrigação, procura razoabilidade quando, na raiz do problema, existe um comportamento desarrazoado de uma das partes” (REsp 1.135.824-MG, Terceira Turma, DJe 14/3/2011). REsp 1.286.209-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 8/3/2016, DJe 14/3/2016.

FONTE: STJ

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