MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA. DUPLA TRIBUTAÇÃO E EVASÃO. PRL 60. LEGALIDADE. INOVAÇÃO TRAZIDA PELA IN Nº 243/2002 QUANTO A PESSOA INTERPOSTA NÃO SE COADUNA COM OS DITAMES DA LEI Nº 9.430/1996. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA RESERVA LEGAL FORMAL. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO EM PARTE. 1. O mandado de segurança é ação de cunho constitucional e tem por objeto a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. É o que se depreende da leitura do inciso LXIX, do artigo 5º da Constituição Federal: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. “Na categoria dos writs constitucionais constitui direito instrumental sumário à tutela dos direitos subjetivos incontestáveis contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (Diomar Ackel Filho, in Writs Constitucionais, Ed Saraiva, 1988, pág 59). 2. O Preço de Transferência, em síntese, é o valor definido para registrar as operações de venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível entre partes vinculadas, cujo controle é obtido mediante a comparação com preços praticados pelo mercado, por partes individuadas, em negócios semelhantes. Esse processo, do qual o Brasil adotou as regras, deriva das disposições da Convenção-Modelo Fiscal da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pretende, dentre outros aspectos, consolidar a tributação igualitária das operações entre as empresas vinculadas, impedindo a manipulação de transações a fim de diminuir os encargos fiscais e, por consequência, preservando as operações similares praticadas pelas empresas independentes e a concorrência, inibindo a perda de receitas pelo Fisco. Encontra-se abrigado na Lei nº 9.430/1996 e denomina-se Arm’s length principle (Princípio da Neutralidade ou do Preço sem Interferência ou, ainda, Princípio dos Preços Independentes Comparados). No caso de empresas vinculadas, objetiva coibir tanto a dupla tributação como a ocorrência de evasão fiscal, determinando-se uma margem de lucro sobre o valor do preço líquido de revenda da mercadoria ou insumo importado. 3. A sistemática prevista pela Lei nº 9.430/1996, posteriormente modificada pela Lei nº 9.959/2000, e as INs/SRF nºs. 32/2001 e 243/2002, busca, em última análise, corrigir distorção em relação à margem de lucro, a qual, segundo o ordenamento jurídico modificado, resultaria da aplicação do percentual de 60% sobre os preços de venda do bem produzido. Com a modificação introduzida, passou-se a considerar, para a apuração do preço parâmetro, a participação dos bens, serviços ou direitos importados aplicados na produção, tanto no preço de venda do produto, quanto no custo total do bem acabado, já com valor agregado no país, o qual, juntamente com a margem de lucro de 60%, são eliminados na apuração do preço parâmetro, segundo a metodologia prevista no art. 12, §§ 10, e 11 e seus incisos, da mencionada IN/SRF nº 243/2002, a qual regulamentou a Lei nº 9.430/1996, com a redação veiculada pela Lei nº 9.959/2000. 4. O cálculo do preço de transferência, pelo Método de Preço de Revenda menos Lucro – PRL passou, na vigência da Lei nº 9.959/2000, a considerar a margem de lucro de 60% “sobre o preço de revenda após deduzidos os valores referidos nas alíneas anteriores e do valor agregado no País, na hipótese de bens importados aplicados à produção” (artigo 18, II, “d”, 1). A adoção, na técnica legal, do critério do valor agregado objetivou conferir adequada eficácia ao modelo de controle de preços de transferência, em cumprimento às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil na Convenção Modelo da OCDE, evitando distorções e, particularmente, redução da carga fiscal diante da insuficiência das normas originariamente contidas na Lei nº 9.430/1996 e refletidas na IN/SRF nº 32/2001. 5. Com efeito, o cálculo do preço de transferência a partir da margem de lucro sobre o preço de revenda é eficaz no sentido de atingir a finalidade legal nos casos de importação para revenda interna, não, porém, no caso de importação de insumos que não são objeto de revenda direta, mas são incorporados em processo produtivo de industrialização, resultando em distintos bens, direitos ou serviços, agregando valor ao produto final, com participações variáveis na formação do preço de revenda, que devem ser apuradas para que seja alcançado corretamente o preço de transferência, de que trata a legislação federal. 6. Assim, nesse aspecto, a IN nº 243/2002 não violou o artigo 18, II, “d”, item 1, da Lei nº 9.430/1996, com a redação dada pela Lei nº 9.959/2000, ao tratar, nos §§ 10 e 11 do artigo 12, do Método do Preço de Revenda Menos Lucro, para bens, serviços ou direitos importados aplicados à produção, com exclusão do valor agregado e da margem de lucro de 60%, para tanto com a apuração da participação de tais bens, serviços ou direitos no custo e preço de revenda do produto final industrializado no país. O conceito legal de valor agregado, que conduz ao conceito normativo de preço parâmetro, leva à necessidade de apurar a sua formação por decomposição dos respectivos fatores, abrangendo bens, serviços e direitos importados, sujeitos à análise do valor da respectiva participação proporcional ou ponderada no preço final do bem. O art. 18, II, da supracitada legislação prevê que o preço de transferência, no caso de bens e direitos importados para a aplicação no processo produtivo, calculado pelo método de preço de revenda menos lucros – PRL – 60, é a média aritmética dos preços de revenda de bens ou direitos, apurada mediante a exclusão dos descontos incondicionados, tributos, comissões, corretagens e margem de lucro de 60%, esta calculada sobre o preço de revenda depois de deduzidos os custos de produção citados e ainda o valor agregado calculado a partir do valor de participação proporcional de cada bem, serviço ou direito importado na formação do preço final, conforme previsto em lei e detalhado na instrução normativa. O preço de transferência assim apurado é que pode ser deduzido na determinação do lucro real para efeito de cálculo do IRPJ/CSL. Há que se considerar, assim, a ponderação ou participação dos bens, serviços ou direitos, importados da empresa vinculada, no preço final do produto acabado, conforme planilha de custos de produção, mas sem deixar de considerar os preços livres do mercado, praticados para produtos idênticos ou similares entre empresas independentes. 7. A aplicação do método de cálculo com base no valor do bem, serviço ou direito em si, sujeito à livre fixação de preço entre as partes vinculadas, geraria distorção no valor agregado, majorando indevidamente o custo de produção a ser deduzido na determinação do lucro real e, portanto, reduzindo ilegalmente a base de cálculo do IRPJ/CSL. Para dar eficácia ao método de cálculo do preço de revenda menos lucro, previsto na Lei nº 9.430/1996 alterada pela Lei nº 9.959/2000, é que foi editada a IN/SRF nº 243/2002, em substituição à IN/SRF 32/2001, não se tratando, pois, de ato normativo inovador ou ilegal, mas de explicitação de regras concretas para a execução do conteúdo normativo abstrato e genérico da lei, prejudicando, pois, a alegação de violação ao princípio da legalidade. 8. De fato, a Lei nº 9.430/1996 não prevê a hipótese de aplicação de preço de transferência quando o negócio jurídico se dá por meio de interposta pessoa, não caracterizada como vinculada. Verifica-se, no caso, que a IN/SRF nº 243/2002, embora pretenda evitar a evasão de divisas, foi além dos limites estabelecidos, ao disciplinar tema não definido pela lei sobre a qual se fundou, ao criar nova hipótese para atingir, por equiparação, sujeito não previsto expressamente na legislação. Inclusive, resta pacificado o entendimento de que o objetivo das instruções normativas, que possuem eminentemente caráter interpretativo, é de esclarecer a legislação e possibilitar sua execução no âmbito das repartições fiscais. 9. Nesse contexto, em respeito aos princípios da legalidade e da reserva de lei formal, é necessário se garantir ao contribuinte a correta aplicação dos critérios estabelecidos na Lei que disciplina o assunto, em especial quanto aos sujeitos e as regras de cálculo do preço de transferência pelo método PRL, conforme disciplina o art. 23 da Lei nº 9.430/1996, afastadas as inovações trazidas nesse sentido pela IN nº 243/2002. Tal preceito encontra-se no momento inserido na IN/RFB nº 1312/2012, art. 2º, §5º. 10. Da análise dos documentos juntados aos autos, constata-se que não são empresas vinculadas a X (fls. 50/102) e a Y (fls. 25/42), considerando ainda que X não opera exclusivamente com a Y. Quanto ao fato dessas empresas se enquadrarem no conceito de pessoas interpostas em virtude da relação entre elas estabelecida (conforme os termos do contrato de fabricação de fls. 109/146) e entre as pessoas vinculadas (Y), conforme restou demonstrado, a inovação trazida pela IN nº 243/2002 não se coaduna com os ditames da Lei nº 9.430/1996, não podendo surtir efeitos na esfera fática, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e da reserva legal formal, devendo, portanto, ser afastada. 11. Recurso de apelação provido em parte. TRF 3ª Região, Apel. 2010.61.00.001368-2/SP, DJ 16/05/2016.

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