Primeiro, é preciso saber de qual indústria estamos falando. No passado, a produção brasileira era basicamente de produtos agrícolas (café, açúcar, algodão), sujeitos à volatilidade da demanda internacional. Com isso, o país vivia às voltas com crises de divisas e se viu instado a tentar produzir localmente tudo o que não conseguia importar. Instituiu-se o modelo de substituição de importações, visando implantar uma cadeia industrial completa dentro do país, mesmo que os produtos aqui produzidos fossem de menor qualidade e mais caros. Ao menos, tínhamos a garantia de abastecimento em tempos de estrangulamento do setor externo.

O incentivo à indústria nascente, portanto, contava com o fechamento do país ao comércio internacional. Foram impostas tarifas de importação em todas as etapas da cadeia, para todos os produtos, com o fim de se desenvolver a indústria nacional, gerar empregos e trazer desenvolvimento. Os custos desta política, em termos de preços relativos do nacional vis-à-vis o importado, não eram importantes – fomentar a indústria nacional, sim. Exportar produtos manufaturados era sonho de uma noite de verão.

Desde então, contudo, o país mudou, o mundo mudou.

Com a Embrapa tivemos um expressivo desenvolvimento tecnológico no cultivo de soja, milho e outros produtos, ao mesmo tempo em que viabilizamos tecnicamente o uso de novas fronteiras agrícolas, como o Cerrado a partir de 1980. Não só temos maior grau de excelência na produção agrícola como, hoje, os produtos agrícolas são aqueles de maior procura, e tem um caráter de essencialidade maior. O fenômeno China também contribuiu sobremaneira para aumentar a demanda mundial destes produtos. Permito-me um parêntesis: a única coisa que falta para o setor agrícola se tornar realmente grande supridor de produtos agrícolas no mundo é a viabilização de uma melhor infraestrutura e logística (estradas de ferro, de rodagem e portos que possam diminuir o custo final destes produtos).

Pois bem, voltando ao argumento principal: as exportações destes produtos agrícolas mais eficientes e mais demandados tornaram a escassez de divisas um problema de menor importância.

O mundo, por sua vez, se tornou uma grande aldeia global. Europa, EUA e alguns países da Ásia estão fazendo acordos de comércio. O progresso tecnológico rapidamente se espalha e o produto final, hoje, possui insumos dos mais diversos cantos do mundo. Para se ter tecnologia, o principal é estar aberto para o resto do mundo.

No Brasil, permanece a política de comércio externo que visa a construção de uma indústria nacional completa e autossuficiente. Isso acaba por ser um tiro no pé. Pense num produto final: quanto mais alta for a sua tarifa de importação e menores as tarifas de importação das matérias primas, peças e máquinas que o produzem, maior será a proteção ao seu valor adicionado, a sua proteção efetiva. Atualmente, o sistema está calibrado para incentivar com proteção tarifária todas as etapas da cadeia, o que acaba por reduzir a competitividade do bem final, que sofre a direta concorrência dos insumos e bens produzidos fora e que tem menores custos de produção.

A política de se usar insumos ou peças nacionais faz com que o custo de produção aumente consideravelmente, produzindo um produto que para ser usado no processo de produção de algum bem, digamos petróleo, vai necessitar de subsídio do governo.

Ou seja: há hoje muitas indústrias de insumos com tarifa de importação elevadas, o que reduz a proteção das indústrias que usam estes insumos. A ponta final da cadeia faz lobby para solicitar um aumento da tarifa de importação para seu produto ou mesmo acusa exportadores na China ou da Coreia de fazer dumping e exportar a preços menores. Aliás, fazem isto depois de pedir um câmbio mais desvalorizado.

Entra-se num círculo vicioso. De nada adianta a depreciação do câmbio para a ponta final da cadeia, pois os custos dos insumos ou das partes e peças aumentam e, pior, os custos da alimentação, dos salários também aumentam o preço do produto, porque teve um aumento de custos. Em pouco tempo, a vantagem comparativa que se ganhou ao proteger via aumento do câmbio se esvai.

O industrial está no seu direito de pleitear, claro, e de tentar sobreviver a qualquer custo. Faz parte do jogo. Cabe à sociedade – repassando o mandato aos seus governantes -, portanto, repensar se ainda vale a pena proteger e incentivar todos os setores da indústria. Será que não chegou a hora de progressivamente nos abrirmos ao comércio internacional para melhorarmos o bem estar da sociedade com produtos mais baratos? Será que não é hora de deixar as vantagens comparativas ditarem quais indústrias devem prosperar e deixar redirecionar para estas atividades? Quem vier com o argumento de emprego, em uma economia próxima do pleno emprego, podemos dizer que estes serão criados nas indústrias que remanescerem e na agricultura (agora com uma infraestrutura que permita produzir com menores custos).

Note, ninguém prega mudanças do dia para a noite. É um processo que deve ser feito de maneira gradual, ao longo de vários anos. Por exemplo, estabelece-se que tais e tais produtos teriam diminuição de 10% de sua tarifa de importação a cada ano (de 30% para 27%, depois 24,3% e assim por diante), durante os próximos 5 anos. Do mesmo modo, faz-se uma revisão das taxas antidumping. Aqui, é bom que se contemple negociações com os países desenvolvidos. No final, naturalmente alguns produtos não seriam mais produzidos no país e outros teriam uma maior produção.

Se não houver ações neste sentido, teremos cada vez mais inflação e a indústrias vão desaparecer. Claro, uma reforma tributária que reduzisse a carga dos impostos indiretos (ainda que compensada por impostos diretos) também seria interessante, já que eles também afetam a proteção efetiva.

Enfim, de nada adianta entregar o setor externo ao Itamaraty. É o Ministério do Desenvolvimento, da Fazenda e o Congresso que terão de fazer a lição de casa.

José Augusto Arantes Savasini é Sócio-Diretor da Rosenberg Associados. Professor da FEA-USP e PhD em economia pela Universidade de Vanderbilt-USA. e-mail: Savasini@rosenberg.com.br

Fonte: Valor Econômico S.A. 

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