Tribunal julga ser prematura a devolução do contêiner enquanto não decretada a pena de perdimento da mercadoria

 

MANDADO DE SEGURANÇA (120) No 5000201-44.2016.4.03.6104
IMPETRANTE: MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA
Advogado do(a) IMPETRANTE: CESAR LOUZADA – SP275650
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, INSPETOR-CHEFE DA ALFANDEGA DO PORTO DE SANTOS

SENTENÇA

MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA impetrou o presente mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do INSPETOR DA ALFÂNDEGA NO PORTO DE SANTOS, objetivando a desunitização da carga e a devolução do contêiner MSKU 599.028-3.

Afirma a impetrante, em suma, que a unidade de carga em comento está parada no Porto de Santos há 168 dias, descumprindo o prazo legal estabelecido para instauração do processo de perdimento e destinação final das mercadorias abandonadas.

O processo foi extinto sem julgamento do mérito em relação ao segundo impetrado, Terminal Santos Brasil S/A, e apreciação do pedido de liminar foi postergada para após a vinda das informações.

Notificada, a autoridade coatora prestou informações e sustentou, em síntese, a regularidade da ação administrativa, tendo em vista que o prejuízo suportado pela impetrante decorre de ato imputável aos importadores e que a carga acondicionada no contêiner não deve ser desunitizada em razão da conveniência comercial da impetrante, já que a carga foi considerada abandonada, e, no âmbito do respectivo Processo Administrativo Fiscal não foi aplicada a pena de perdimento.

Foi indeferida a medida liminar.
Ciente, o MPF deixou de adentrar ao mérito por entender ausente o interesse institucional a justificar a intervenção. É o breve relatório.
Decido.
A preliminar de ilegitimidade passiva já foi enfrentada por ocasião da decisão que indeferiu a liminar.

O mandado de segurança é remédio constitucional adequado para proteção de direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5o, LXIX, CF/88).

Entretanto, nesta via torna-se inarredável a existência de prova pré-constituída das alegações, a tornarem incontroversos os fatos alegados no intuito de demonstrar a liquidez e a certeza do direito que se busca proteger.

No caso concreto, consiste o objeto do writ na liberação de contêiner depositado no terminal SANTOS BRASIL, cuja carga foi considerada abandonada.

A autoridade impetrada informou ao juízo que, “em virtude do decurso do prazo de permanência das mercadorias no recinto alfandegado, sem que tenha sido iniciado o despacho aduaneiro de importação, infração punível com a pena de perdimento, (…) foi registrada a FMA – Ficha de Mercadoria Abandonada, sendo as mercadorias apreendidas por meio do AITAGF, estando o respectivo processo administrativo fiscal seguindo os ritos de praxe”.

Nestes termos, ainda não foi decretada a pena de perdimento, encontrando-se a carga na esfera de disponibilidade do importador, segundo informa a autoridade apontada como coatora, nos termos da Lei no 9.779/99.

E, como bem esclarecido pelo Inspetor da Alfândega, no conhecimento de transporte versado nos autos, foi aposta a sigla FCL/FCL (full container load), também apresentado com a sigla CY/CY, na qual a mercadoria é unitizada nas dependências do exportador, sob a responsabilidade deste, e desunitizada nas instalações do importador/consignatário da carga, sob sua responsabilidade, o qual ainda pode dar início ao respectivo despacho aduaneiro. Portanto, o compromisso assumido pelo impetrante quando celebrado o contrato não consiste apenas em transportar as mercadorias do porto de embarque e entregá-las no porto de destino.

Configura-se, por conseguinte, risco inerente à atividade comercial, tanto do transportador, como do operador portuário, aos quais são impostos os custos decorrentes da situação ora analisada. Quanto ao transportador, o próprio contrato prevê mecanismos de reparação quando configurada a sobreestadia.

Firmado esse quadro fático, reputo inviável a concessão da segurança. 

É fato que a dinâmica do comércio exterior impõe práticas fiscais ágeis, aptas a atender a demanda do transporte de mercadorias acondicionadas em contêineres.

Todavia, não se pode esquecer que a formalização de declaração de importação é o modo adequado de submissão de mercadoria importada a controle alfandegário e é condição para seu desembaraço e entrega ao importador (artigos 542, 543 e 571, ambos do Regulamento Aduaneiro – Decreto no 6.759/2009), configurando a omissão em iniciar o despacho aduaneiro nos prazos legais infração conhecida como “abandono”, que sujeita o infrator à aplicação da pena de perdimento (art. 642 c/c art. 689, IX, ambos do diploma acima mencionado).

Ocorre que, enquanto não aplicada essa penalidade, a mercadoria pertence ao importador, que poderá sanar sua omissão, dando início ao despacho de importação e assumindo os ônus inerentes à sua inércia.

Nesse sentido, a Lei no 9.779/99 assim dispõe:

“Art. 18. O importador, antes de aplicada a pena de perdimento da mercadoria na hipótese a que se refere o inciso II do art. 23 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976, poderá iniciar o respectivo despacho aduaneiro, mediante o cumprimento das formalidades exigidas e o pagamento dos tributos incidentes na importação, acrescidos dos juros e da multa de que trata o art. art. 61 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e das despesas decorrentes da permanência da mercadoria em recinto alfandegado.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, considera-se ocorrido o fato gerador, e devidos os tributos incidentes na importação, na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegado” (grifei).

Portanto, a lavratura de auto de infração decorrente de abandono não possui o efeito jurídico de impedir o prosseguimento do despacho aduaneiro, como ocorre na imputação de outros ilícitos, já que apenas vincula uma mercadoria ao destino do processo administrativo instaurado.

Aliás, em relação a esse último aspecto, importa ressaltar que a aplicação de pena de perdimento pressupõe a edição de ato administrativo, precedido de regular processo administrativo, no qual devem ser observados os princípios que lhe são inerentes, inclusive o exercício do direito de defesa pelo proprietário da carga.

De outro giro, há um vínculo jurídico entre transportador e importador, que permanece existente, no mínimo, até a conclusão do despacho aduaneiro, momento em que a mercadoria poderá ser desunitizada e entregue ao importador. Tratando-se de mercadoria abandonada, essa relação jurídica (entre importador e transportador) somente cessará com a aplicação da pena de perdimento, momento em que a mercadoria importada sairá da esfera de disponibilidade do importador e passará a integrar à da União, resolvendo-se, então, o contrato de transporte.

Assim, tratando-se de mero abandono de mercadorias em área alfandegada, tenho decidido que não há dever da Administração Pública em promover desunitização do contêiner antes da aplicação da penalidade de perdimento, por entender a lavratura de auto de infração, nesse caso específico, não possui o efeito de impedir o início e a conclusão do despacho aduaneiro, já que o importador pode sanar sua omissão a qualquer momento, consoante lhe garante a legislação vigente e o regulamento aduaneiro.

A situação retratada, portanto, configura risco inerente à atividade comercial do transportador e do operador portuário, os quais possuem instrumentos próprios para se ressarcir dos prejuízos ocasionados pela inércia do importador.

Nesse sentido, confira-se o posicionamento do E. Tribunal Regional Federal, em acórdão da lavra do E. Juiz Federal Convocado Herbert de Bruyn:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO DE CONTÊINER. EXISTÊNCIA AUTÔNOMA. MERCADORIA RETIDA. ABANDONO NÃO RECONHECIDO FORMALMENTE. IMPORTADOR NÃO IDENTIFICADO. PROCEDIMENTO DA PORTARIA MF No 90/81. DESUNITIZAÇÃO ANTES DA FORMAL “DECLARAÇÃO DE ABANDONO”. PREMATURIDADE. RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DO IMPORTADOR. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA INSUFICIENTE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO.

1. Conforme se depreende do disposto no art. 24, parágrafo único, da Lei no 9.611/98, o contêiner possui existência autônoma e independente da mercadoria que carrega. Eventual aplicação da pena de perdimento da carga não alcança o contêiner.

2. À luz do art. 18 da Lei n. 9.779/99, enquanto não aplicada a pena de perdimento, a mercadoria pertence ao importador, que pode sanar sua omissão dando início ao despacho de importação.

3. Aplicação, no caso concreto, da Portaria MF no 90/81, em razão da não identificação do importador. Peculiaridade que dispensa a imposição de pena de perdimento para que seja efetuada a destinação da mercadoria, bastando, para tanto, que seja declarado o abandono dos bens importados. 

4. Ainda assim, o simples decurso do prazo estipulado para caracterização do abandono não é suficiente, por si só, para inviabilizar o início do despacho aduaneiro. É necessária e indispensável a existência de um pronunciamento formal por parte da administração pública, com a expressa “declaração de abandono”, precedida de regular processo administrativo – nos termos do procedimento estatuído pela Portaria MF no 90/81 – ao longo do qual se garante ao “importador ou quemde direito” a possibilidade de reivindicar as mercadorias antes de exarada a referida declaração de abandono.

5. Como, até o momento da impetração, o abandono não havia sido formalmente enunciado, vislumbra-se a perspectiva de o importador submeter as mercadorias ao despacho aduaneiro de importação.

6. Somente com a aplicação da pena de perdimento – ou, como sucede no caso em apreço, após a formal “declaração de abandono” pela autoridade administrativa – cessa a relação jurídica entre importador e transportador, por ser esse o momento em que a mercadoria importada sai da esfera de disponibilidade do importador para passar à da União.

7. Logo, prematura a desunitização pretendida, pois, enquanto pendente o procedimento especial objetivando a declaração de abandono das mercadorias, estas permanecemsob o domínio do importador.

8. A prova pré-constituída é requisito essencial e indispensável à impetração de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo violado ou ameaçado por ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública. In casu, revela-se insuficiente o acervo probatório carreado aos autos.

9. O conhecimento de embarque (bill of lading) anexado aos autos deixa claro que as condições estabelecidas, mediante as siglas “CY/CY” determinam que a desunitização ocorrerá sob responsabilidade do importador.

10. Ressalte-se que controvérsias comerciais entre as empresas privadas não podemser objeto deste processo. 11. Apelação improvida.
(TRF 3a Região, AMS 315822, Rel. Juiz Conv. HERBERT DE BRUYN, 6a Turma, e-DJF304/10/2013)

Por tais razões, não havendo óbice ao prosseguimento do despacho aduaneiro, reputo prematuro, antes da decretação da pena de perdimento e, consequentemente, da transferência do domínio sobre as mercadorias do importador para a União, autorizar a desunitização pretendida, ante a continuidade deste plexo de relações jurídicas.

Em face do exposto, resolvo o mérito do processo, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e DENEGO A SEGURANÇA pleiteada.

Sem honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei 12.016/09 e da Súmula no 105 do C. Superior Tribunal de Justiça. Custas a cargo do impetrante.
P.R.I.
Santos, 24 de junho de 2016. 

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