Inexiste relação de acessoriedade do contêiner com as mercadorias nele transportadas/armazenadas

Justiça Federal determinou desunitização e devolução de contêineres em prol do transportador

A juíza federal Eliana Marcelo, da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), reformou a sentença de primeiro grau que havia mantido apreensão ilegal de contêineres, diante da possibilidade de ser decretada a pena de perdimento das mercadorias
neles acondicionadas.

O Juízo de primeira instância havia negado o pedido de liminar impetrado com o objetivo de reconhecer o direito líquido e certo da transportadora à liberação dos contêineres.

Segundo a magistrada, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é clara no sentido de que não existe relação de acessoriedade entre o contêiner e as mercadorias nele armazenadas/transportadas para fins de pena de perdimento.

A decisão destacou também os ensinamentos de Roosevelt Baldomir Sosa:


Os containers são considerados como acessórios do veículo transportador e nunca como embalagens, e incluem seus próprios acessórios, como trailers, racks ou prateleiras, berços, boogies ou módulos sempre que integrantes do próprio container.

(Comentários à Lei Aduaneira, São Paulo: Aduaneiras, 1995, p. 82)

De acordo com Eliana Marcelo, “afigura-se ilegal a apreensão de contêiner diante da possibilidade de ser decretada a pena de perdimento da mercadoria, uma vez que com ela não se confunde”.

No tribunal, a apelação cível recebeu o número 0009098-20.2014.4.03.6104/SP.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009098-20.2014.4.03.6104/SP

2014.61.04.009098-0/SP

RELATORA              : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA

APELANTE              : MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA

ADVOGADO            : SP275650 CESAR LOUZADA e outro(a)


APELADO(A)          : União Federal (FAZENDA NACIONAL)

ADVOGADO            : SP000006 DJEMILE NAOMI KODAMA E NAIARA  PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER

 No. ORIG.                 : 00090982020144036104 3 Vr SANTOS/SP

 

DECISÃO


Trata-se de apelação em mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado com o objetivo de reconhecer o direito líquido e certo da impetrante à liberação dos contêineres n.o MAEU 4660139 e no. MAEU 4665927, alegando que a mercadoria não foi descarregada, sendo considerada abandonada, ocorrendo omissão da Alfândega do Porto de Santos. Como a responsabilidade do transportador pela carga cessa a partir do momento da descarga, motivo pelo qual entende que não guarda mais qualquer obrigação perante o importador, não estaria de qualquer forma compelida a aguardar o procedimento administrativo de desunitização de carga para que cesse sua responsabilidade.


O pedido de liminar foi indeferido.


O r. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, denegando a segurança. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da súmula no 105, do STJ.


Apelou a impetrante, pleiteando a reforma do julgado, reiterando os termos da inicial.


Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.


Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento da apelação.


Passo a decidir com fulcro no art. 557 e parágrafos, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.o 9.756/98.


Ressalto, de início, a importância da utilização do dispositivo em apreço para simplificação e agilização do julgamento dos recursos, notadamente quando já existe pronunciamento consistente dos Tribunais Superiores acerca da matéria preliminar ou do próprio mérito.


Como é cediço, o contêiner é um equipamento ou acessório do veículo transportador, não sendo considerado mercadoria ou embalagem daquele.

Na verdade, constitui um recipiente ou envoltório utilizado para acondicionamento de carga e destinado a facilitar o transporte de produtos.


Com efeito, dispõe expressamente o art. 24, parágrafo único, da Lei n.o 9.611/98:

Art. 24. Para efeitos desta lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à utilização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas à movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.
Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem carga e são partes integrantes do todo.

Acerca da classificação dos contêineres como unidade de carga, vale trazer à colação os ensinamentos de Roosevelt Baldomir Sosa:

Os containers são considerados como acessórios do veículo transportador e nunca como embalagens, e incluem seus próprios acessórios, como trailers, racks ou prateleiras, berços, boogies ou módulos sempre que integrantes do próprio container.


(Comentários à Lei Aduaneira, São Paulo: Aduaneiras, 1995, p. 82)

Corroborando o entendimento aqui expendido, trago à colação ementas dos seguintes julgados do E. STJ, bem como desta C. Sexta Turma, in verbis:

ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. PENA DE PERDIMENTO. APLICADA EM RELAÇÃO A MERCADORIAS. RELAÇÃO DE ACESSORIEDADE COM O CONTÊINER QUE AS TRANSPORTA/ARMAZENA. INEXISTÊNCIA.


1. Pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual não existe relação de acessoriedade entre o contêiner e as mercadorias nele armazenadas/transportadas para fins de pena de perdimento. Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes: REsp 908.890/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJU 23.4.2007, e REsp 526.767/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJU 19.9.2005.

2. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp n.o 1.056.063/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, j. 05/08/2010, DJe 01/09/2010)
TRIBUTÁRIO. MERCADORIA LEGALMENTE ABANDONADA. APREENSÃO DE CONTÊINER. IMPOSSIBILIDADE.

1. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que o contêiner não é acessório da mercadoria transportada, não se sujeitando, pois, à pena de perdimento aplicável àquela.
Precedentes.
2. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp n.o 1.114.944/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, j. 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO DE MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. APREENSÃO DE CONTÊINER: UNIDADE DE CARGA ACESSÓRIA. NÃO-CABIMENTO DA RETENÇÃO. PRECEDENTES.


1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento.

2. O acórdão a quo concedeu segurança objetivando afastar a ilegalidade na apreensão dos “containers”, cuja mercadoria sofreu pena de perdimento de bens.
3. Nos termos do art. 3o da Lei no 6.288/75 “o container , para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador”.

4. “A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo” (art. 24, parágrafo único, da Lei no 9.611/98).


5. A jurisprudência da 1a Turma do STJ é pacífica no sentido de que não deve recair sobre a unidade de carga (contêiner) a pena de perdimento, por ser simples acessório da carga transportada.

6. Precedentes: REsps nos 526767/PR, 526760/PR e 526755/PR.
7. Agravo regimental não-provido.
(STJ, AgRg no Ag n.o 950.681/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, j. 18/03/2008, DJe 23/04/2008)

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – APREENSÃO DE MERCADORIAS – RETENÇÃO DE CONTÊINER – ILEGALIDADE.


1. Extrai-se da leitura do art. 24 e parágrafo único, da Lei no 9.611/98, que a unidade de carga, ou seja, o contêiner, não pode ser considerada embalagem para a mercadoria. Juntamente com acessórios e equipamentos, faz parte de um todo. Todavia, não pode ser confundida com a carga que transporta.

2. Não se justifica a apreensão da unidade de carga pelo fato de a mercadoria nela acondicionada se encontrar sujeita a procedimento administrativo fiscal com vista à aplicação da pena de perdimento, sendo de rigor a devolução do contêiner à impetrante, por ausência de respaldo legal na sua apreensão, vez que a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade estrita, nos termos do art. 37 da CF.

3. Remessa oficial não provida.

(TRF3, REOMS n.o 2004.61.04.011081-9/SP, Rel. Des. Fed. MAIRAN MAIA, Sexta Turma, j. 14/04/2011, DJF3 CJ1 19/04/2011, p. 1125)


ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO. UNIDADE DE CARGA. DISTINÇÃO QUANTO À MERCADORIA QUE ACONDICIONA. APREENSÃO. DESCABIMENTO.

1. Embora a unidade de carga, juntamente com seus acessórios, seja considerada parte integrante do todo, não se constitui em embalagem da mercadoria, destarte, não se confunde com a carga transportada.


2. Não se justifica a apreensão do container pelo fato da mercadoria acondicionada se encontrar abandonada e sujeita a procedimento administrativo fiscal, com vistas à aplicação da pena de perdimento, pois não é razoável que a impetrante, na medida que não colaborou para a prática da infração atribuída ao titular da mercadoria, sofra as penalidades e prejuízos que apenas a este poderiam ser imputadas.

3. Além disso, embora sustente a apelante que as mercadorias serão melhor conservadas, no porto, tanto quanto permanecerem acondicionadas em contêineres, não consta dos autos comprovação acerca do inadequado armazenamento no espaço alfandegário, capaz de propiciar a deterioração das mercadorias acondicionadas.


4. Precedentes desta Corte.

5. Apelação e remessa oficial improvidas.

(TRF3, REOMS n.o 2004.61.04.005453-1/SP, Rel. Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA, Sexta Turma, j.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3a REGIÃO Data de Divulgação: 14/07/2015 544/2870

Dessa maneira, afigura-se ilegal a apreensão de contêiner diante da possibilidade de ser decretada a pena de perdimento da mercadoria, uma vez que com ela não se confunde.
Por outro lado, a apelante não pode ser privada da utilização de seus bens por ato ao qual não deu causa e que diz respeito apenas ao importador e à Aduana local.
Assim, reputo idônea a pretensão de liberação dos contêineres da apelante, que se vê impedida de utilizar seu equipamento, sujeitando-se à redução de sua capacidade de transporte e deterioração da unidade de carga por falta de manutenção.
Em face de todo o exposto, com supedâneo no art. 557, § 1o-A, do CPC, dou provimento à apelação, para determinar a imediata desunitização e devolução do contêineres n.o MAEU 4660139 e no. MAEU 4665927. Oportunamente, observadas as cautelas de estilo, baixem os autos à Vara de origem.
Intimem-se.

São Paulo, 06 de julho de 2015.

ELIANA MARCELO


Juíza Federal Convocada

 

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